Geopoéticas e novas epistemes

A perda de si como método para a criação artística na contemporaneidade

Responsável:

Daniela Tavares Paoliello

A pesquisa tem como eixo principal a investigação da experiência da perda de si enquanto método desencadeador do processo criativo, em particular nos procedimentos que se utilizam da fotografia como linguagem. A experiência da perda de si é entendida aqui como aquela que retira o indivíduo do espaço – físico/material ou simbólico – que seu corpo habita, seja a partir do deslocamento espacial, do encontro com a alteridade, dos choques culturais, ou de situações intencionalmente criadas, onde o artista abre mão do controle e se expõe às forças da natureza, à potência desestabilizadora da nudez, o questionamento de sua identidade pelo "Outro"– dentre tantas outras estratégias que venho observando em minha pesquisa – para desencadear a produção artística.

Nesta pesquisa, a experiência da perda de si é compreendida como mais do que uma desmedida, o deslocamento de uma medida, de um território, de um lugar de enunciação. Experiência portanto que desloca o indivíduo de suas zonas de conforto e o coloca em risco ao desconstruir noções pré-afirmadas de indivíduo e identidade. Argumentamos que nesses procedimentos, disparados de forma intencional, performatiza-se um mis-en-jeu da própria subjetividade, como forma de dar-se a diálogo permanente e vivenciar a desconstrução de suas certezas, de sua percepção do mundo e de si mesmo experimentando um abalo de sua própria episteme.

A promessa modernista de aproximação mais direta entre a fotografia e o mundo, e a falsa ideia de neutralidade provocada por sua aparente automação monopolizaram por muito tempo a produção de pensamento e os usos em torno da fotografia, sobretudo no século XX. É principalmente numa virada para o contemporâneo nas artes visuais que a fotografia começa a ser explorada a partir de outras perspectivas e passa a ser pensada a partir de um discurso da violência, em que a imagem pode funcionar como um instrumento contemporâneo de colonização. Acredito que as reflexões em torno da fotografia combinadas com o conceito de perda de si produzem um uso do dispositivo fotográfico capaz de desestabilizar lugares de poder, abrindo caminho para um fazer fotográfico que contribua num processo de desconstrução de narrativas hegemônicas. Proponho pensar portanto como a fotografia pode produzir experiências que deslocam os corpos de suas estruturas de poder; a fotografia como meio de se inserir no acontecimento, de experimentar e produzir ruídos no real e em suas narrativas, e não como forma de reproduzi-lo ou necessariamente, narrá-lo.

A pesquisa se relaciona com o tema Geopoéticas e Novas Epistemes: relações da Arte e da Cultura na Contemporaneidade, à medida que busca pensar a arte como um instrumento potente nos processos de descolonização das narrativas hegemônicas, a partir de diálogos com a antropologia, enquanto disciplina centrada na alteridade, trabalhando com autores como Janet Favret Saada, Edouárd Glissant, Frederick Barth e Hommi Bhabha; mas também com a história, enquanto instrumento potente de investigação em torno da imagem como dispositivo que pode reforçar (ou confrontar) os processos de colonização na américa latina/central.

Construir narrativas a partir de experiências de perda de si é colocar-se em comunicação, é pensar uma etnografia da relação, nas dinâmicas entre fora-dentro, si-mesmo-mundo. Seguimos Georges Bataille quando o autor, ao relacionar comunicação e perda, afirma que: "só comunico fora de mim, abandonando me ou lançando-me para fora." Michel Leiris, seu contemporâneo, compartilhava dessa idéia tematizando a questão do "si mesmo" como um lugar do qual o sujeito deveria se deslocar para se estabelecer uma verdadeira comunicação com a alteridade. Afirmava ainda, a partir disso, que alcançar instantes de desequilíbrio, que lançam o sujeito para fora de si, deveria ser o desejo maior do artista. Esta pesquisa se vê, assim, comprometida com o rompimento da colonialidade inscrita na produção de subjetividades e saberes. Como afirma Herkeinhoff: "a arte pode nos fazer pensar sobre a perda. E essa é sua potencialidade política mais radical." Como propõe ainda Glissant: "Iremos perceber que a poética não é uma arte do sonho ou da ilusão, mas uma maneira [...] de conceber a relação entre si-mesmo e o outro e a expressar.”